14/08/2014

QUATRO "SUICÍDIOS" E UMA VIDA - A MINHA!

Quando nasci herdei o peso desta palavra - suicídio. Era dita a medo e entre linhas. Dita de forma a que as crianças (onde eu me incluía) não percebessem a dimensão que esta palavra alcança. Foi-me escondida durante muito tempo a razão, a explicação, a resposta para esse suicídio ter ocorrido. Acho que vem daí esta minha necessidade de saber tudo, todos os pormenores, a verdade nua e crua sem mentiras piedosas (se bem que eu menti aos que mais amo quando me foi conveniente para esconder a minha dor).
Fui crescendo mas a minha curiosidade, a minha ausência de respostas, era proporcional a esse crescimento. Nunca ousei perguntar ao meu pai porque razão o seu pai teria decidido partir mais cedo. Não deixei que a minha curiosidade fosse maior do que o amor que sinto por ele pois sabia que iria fazê-lo regressar a tempos duros e difíceis. Agora sei que ele viverá com as mesmas perguntas que eu, apenas nunca as verbalizou. Também ele terá vivido submerso nestas questões sem dar esse sinal. 40 anos mais tarde finalmente olhei para o único elemento que poderia explicar esse gesto. Quis a minha querida avó que essas palavras a acompanhassem à sua morada final (prepara-te avô que vais ter muito que explicar... as mulheres desta família são duras) e que nesse momento de dor me fosse permitido olhar, tocar-lhe... não percebi muito pois as palavras teriam sido escritos num momento de dor mas deu-me uma estranha sensação de paz. De que ali estava o pedacinho de um avô que nunca conheci mas que amei, amo e amarei como todos os outros com quem privei. Foram 39 anos à espera de me cruzar com estas palavras.

Se o suicídio do meu avô era uma espécie de tabu outras tentativas de realizar este acto passaram a fazer parte do meu crescimento. Cada vez que o telefone tocava e era aquele numero, lá em casa, tremíamos os 3 com receio. Quis Deus que não passassem disso mesmo, sustos.

Fui crescendo e já na fase adulta confrontei-me novamente com a palavra. E aqui percebi o que é pertencer ao lado dos que estão de pés e mãos atadas, aos que tentam ajudar alguém que não quer ser ajudado. Aos que são vitimas da mais cruel das chantagens: a nossa vida pela vida de alguém. O não és minha não és de ninguém passou a não sou teu não serei de mais ninguém e ... mais um suicídio. Assim de forma calculista. Escolhido o dia de forma meticulosa, de forma a ferir a queimar na pele a entranha mais recondida do meu corpo. Nada ali foi deixado ao acaso. Nada. Tudo serviu para ferir de morte quem cá ficou  - Eu.

E eu ferida não aguentei. E desejei-o. Planeei-o. Sim. O suicídio.   

Mas o amor salva. E se para mim o amor que os outros sentiam por mim não era o suficiente para me manter cá (porque perdoem-me a franqueza mas ele não chegava a mim. Estava tão focada na minha dor, no meu buraco negro que não sentia) o amor que sentia pelos meus salvou-me. Foi o amor que sinto por quatro pessoas (únicas e amo de morte) que me manteve cá, que me fez parar e gritar naquela tarde. Não foi a dor de partir que me impediu mas sim a dor que iria infligir aos que cá ficavam... àqueles quatro especificamente. Foi neles que pensei pois eu já não estava cá. A minha cabeça imaginava o que sobraria de uns pais que tudo me deram, que tudo me dão, uns pais que não mereciam tamanha dor? O que ficaria do homem mais maravilhoso que enfiou na cabeça que terá de ficar comigo para o resto da sua vida? Como é que explicariam à minha afilhada que a madrinha (aquela que deverá ser um exemplo) a teria deixado e que não iria ser testemunha nos momentos mais importantes da sua vida?
Eu fui salva pelo amor dos meus!

E claro numa fase posterior, quando finalmente me decidi permitir entregar à cura, fui curada pelo melhor psiquiatra que conheço. Não, não, esqueçam lá os psicólogos. Para mim (e com o devido respeito) não me serviu de muito... possivelmente não me cruzei com um indicado para o meu caso. Mas comecei a perder a paciência com ele e comecei a dizer-lhe o que ele queria ouvir e não o que eu precisava de dizer. Agora o psiquiatra. Ui... quando nos encontramos num limbo, numa espécie de vertigem em que podemos cair para qualquer um dos lados e temos alguém frio e calculista que nos diz "Isto tem cura. No mínimo serão 6 meses de tratamento mas tem cura. E Sara não te preocupes o suicídio para ti será sempre uma palavra pois tens o lado emocional tão forte quanto o racional". Só ele é que viu isto. Só ele é que sabia isto. Eu simplesmente acreditei. 

A pessoa certa na altura certa pode salvar-nos a vida. E como é que sabemos se alguém precisa da nossa ajuda? Como é que sabemos se somos a pessoa certa de alguém para a ajudar num momento destes? Não sabemos. Jamais saberemos e é por isso mesmo que devemos estar atentos aos que amamos. Por isso é que a única coisa que levamos desta vida terrena são as acções que praticamos aqui. A doença mental atinge todos... todos os credos, todas as religiões, ricos e pobres,... a doença mental é democrática por isso não se distraiam. Observem-se! E ajudem-se! Não desistam porque nós nunca devemos desistir da vida! 

Eu não desisti da vida e sou  FELIZ!













2 comentários:

  1. E as lágrimas correm sem parar... Sê sempre muito feliz!

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    1. Obrigada pelo carinho Sonia <3 que as suas lágrimas sejam de alegria por estarmos vivas e a partilhar experiências. Foi para isso que fomos criados, superar os momentos difíceis e sorrir com os momentos bons <3 Muitos beijinhos coloridos

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