26/02/2017

MEMÓRIAS DE UMA MÃE EM CONSTRUÇÃO #10





7 de Agosto

Os meus dias passaram a ser geridos por uma ansiedade constante e uma pergunta que martelava incessantemente no meu cérebro “seria eu capaz de voltar a picar-me?”. A segunda injeção foi dada da mesma forma da primeira… sem hesitações e com muita determinação. Enquanto o líquido se espalhava no meu vente as orações foram uma constante. Seria expectável que usasse a oração para pedir que tudo corresse bem mas a verdade é que a única coisa que pedia se baseava a isto: “mãe de todas as mães ajuda-me a aceitar o que estiver reservado para mim… seja o que for. Ajuda-me a não ser uma pessoa amargurada e azeda.

Terceiro dia de injeções e aquele em que era preciso ligar para a AVA para marcar a nossa primeira ecografia… ficou para o dia seguinte.

A maldita ansiedade era completamente avassaladora e dominadora… chorei muito sozinha (para não preocupar os meus). Foi a melhor forma que o meu corpo encontrou de se aliviar da tensão existente (aliás sempre fui uma pessoa de lagrima muito fácil, o facto de ser filha única fez com que encontrasse estas formas de aliviar os pensamentos).

Ter um verdadeiro companheiro ao meu lado era o elemento crucial nesta cruzada. O João sempre, aparentemente calmo, sustinha-me todos os medos e receios. E eu dava comigo a pensar que a vida podia levar-me a esperança e o sonho mas que não me levasse a pessoa que sempre esteve ali… ao meu lado muitas vezes sem entender os meus silêncios ou lagrimas e que “simplesmente” me agarrava e afagava todos os sentimentos descontrolados e primários que me corriam no corpo.

Estávamos em Agosto, 19 de agosto, e o trânsito em lisboa não podia estar melhor (ou a ausência dele) e a distância entre a Parede e a Avenida Augusto Aguiar parecia ter diminuído… em três tempos estávamos sentados na sala de espera. A espera. Sempre a espera. Ao nosso lado outros casais, os mesmos rostos cheios de dúvidas e esperança. Olhamo-nos de lado, timidamente, procurando uma normalidade e identificação que nos escapa nos rostos que existem no nosso dia-a-dia. Chegara a nossa hora, a primeira ecografia (de muitas desejávamos nós).

Deitada na maca as noticias não eram as melhores… o meu corpo não tinha reagido bem à medicação. Na verdade mal havia uma reação. O Dr. Paulo Vasco sempre com as suas palavras sábias e equilibradas lá explicou que por vezes o corpo demora mais a reagir à medicação (mas eu sabia que já estava a usar doses altas e que isso não era o bom sinal) e que tínhamos de dar mais um empurrão para o acordar. Às injeções de Gonal-P iriamos acrescentar o Dufine e depois… esperar. "Verbozinho" irritante este mas o único que na verdade geria os nossos dias.

O facto de termos horários rígidos para fazer a medicação condicionava a nossa vida social mas ainda assim tentávamos aparentar alguma normalidade. Fazíamos o que tínhamos a fazer até às 19 e às 20 voltávamos às injeções, numa versão de gata borralheira que se transforma em abobora e que tinha de fugir rapidamente.

Não eram muitas as pessoas que sabiam desta nova rotina para além dos nossos pais. Mas existiram 3 pessoas que foram absolutamente determinantes. Três amigais que de forma tao diferente se transformaram no meu suporte incondicional: uma porque vivera todo este percurso e entendia cada momento que estávamos a passar, que identificava cada medo, cada esperança, cada receio, com verdade e sem os condicionalismos que as pessoas que nos amam têm (há anos atrás jamais imaginaria que seria ela a estar ao nosso lado neste momento mas estou imensamente grata por tudo o que conquistámos neste processo e o quanto isso foi transformador para a nossa amizade e tao… bonito); outra que sendo mãe de seis (na altura de cinco e gravida da sexta) me mostrava o quanto o amor maternal pode ser curativo, que a fé e a esperança pode ser tao curativa como tudo o que a medicina nos proporcionava; e a terceira, e não menos importante, que dava os melhores abraços de todos, abracinhos curativos, que não precisavam de palavras e que uniam tudo o que ameaçava ruir a qualquer momento. O amor que sinto por elas não cabe aqui… não cabe no meu corpo e muito menos nas palavras que escrevo pois tudo isto seria imensamente insuportável se não fosse partilhado com pessoas que conhecem o corpo feminino. As transformações que sentimos quando somos sujeitas a tratamentos desta espécie não é algo que consigamos explicar facilmente a um homem (por muito que ele nos ame e queira entender). Elas foram e são a minha medicina alternativa. Umas companheiras de vida e para a vida… já cá andamos a partilhar histórias há mais de 20 anos e não me parece que vá terminar tao depressa (e graças a deus).

O amor, a amizade e a medicina eram a minha trilogia de sobrevivência.

(Continua)

2 comentários:

  1. Princesa,
    O meu primeiro também não deu certo, mas ainda tinha-mos muita esperança e fé.
    Essa nunca nos largou, fez desde o início parte da nossa longa caminhada.
    Ansiosa pela próxima!!!

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