Confesso que o passado dia 7 de Maio foi um dia confuso para mim. O primeiro domingo do mês de Maio é sempre intitulado de DIA DA MÃE e agora que estou grávida de gémeos foram várias as pessoas que me deram os parabens por esse dia. Acontece que apesar de ser muito grata por esse carinho que recebi a verdade é que algo dentro de mim não esteve bem durante o dia todo.
Carreguei comigo ao longo do dia todos os comentários que fui colecionando ao longo da minha vida de mulher adulta: "Um dia vais saber o que é o amor incondicional", "um dia vais perceber o que é andar com o coração fora do teu corpo", "um dia vais perceber o que é amar alguém mais do que tudo", "um dia...". Quantas vezes calei os palavrões que me ocorreram ao ouvir isto? Nao sei... não os contei mas foram muitos. Alguma vez as pessoas que proferem frases como estas pensam na dimensão das suas palavras e no que podem provocar em quem as houve? Ou estarão demasiado focadas no seu umbigo e no seu mundinho aparentemente perfeito e fazem tudo a essa imagem e semelhança? Haverá alguma justiça em quantificar o amor que cada um sente pelo próximo baseado apenas em si próprio? Amaremos todos da mesma forma? Sentiremos todos o mesmo perante um mesmíssimo facto ou pessoa?
Sim é verdade estou gravida de 29 semanas e uns dias. Sim, o que sinto por estes pequeninos que me ocupam o corpo é incomensurável mas é-o desde que eram um numero. Desde que lutámos por eles ao tomar o primeiro comprimido, a primeira injeção,.. São nossos e amados no momento em que os vimos piscar no ecrã do consultório do Dr. Vasco... dois pixéis aos saltinhos. Os nossos! Já eramos pais muito antes que a sociedade nos permitisse usar esse rotulo. O amor nasceu nesse dia e não quando todos à nossa volta o autorizaram. Se o direito de ser mãe nascesse com o ato de parir então não existiram tantos casos absolutamente grotescos por aí. Se de facto todas as mulheres tivessem direito de ser chamadas de mães apenas porque deram à luz onde se encaixam os casos de abandono de crianças? As violações? Os maus tratos? Não são tão mães, aparentemente, como as outras? Estiveram grávidas e nasceu um bebe... está tudo certo segundo a checklist que quase todos usamos para proferir aquelas verdades incontestáveis que gostamos de vomitar.
Durante anos foi-me negado o direito de me sentir normal neste dia. Havia sempre um comentário, uma palavra, e eu chorava em silencio... Neste dia 7 senti a dor de todas as mulheres que não parindo também foram mães de pontinhos a piscar no ecrã que não vingaram, de fetos que por uma qualquer razão não vingaram e foram para um mundo (acredito eu) melhor, a de todas as que se injetaram e adormeceram com o sonho de um dia a sociedade lhes permitir comemorar este dia, a de todas as que esperam pelo dia em que alguém lhes confirme a concretização do sonho, a de todas as que tiveram de lidar com a dor de não conseguir terminar a sua missão da melhor forma,... todas estas mulheres estiveram comigo nesse dia e custou-me. Custou-me muito.
Pensei muito na crueldade que existe entre pares... porque muitas vezes nem sequer basta termos parido para sermos mães. Muitas mulheres ainda se acham no direito de catalogar mães de primeira, as que têm parto natural, e de segunda, as que parem de cesariana. Como definir tamanha crueldade? Não pensam antes de proferir tamanha barbaridade? Que moral tem alguém que engravida à primeira, que tem um parto em 30 minutos (e ainda bem que o tem...) que leva o seu bebe para casa dois dias depois para julgar alguém que luta pela fertilidade durante anos? Que perante uma coleção de fatores de risco para mulher e bebes nada mais lhe resta do que a cesariana? Que vai ter de lidar com o desafio da maternidade com um corte de varias camadas de pele no baixo ventre e agir com destreza e flexibilidade. Que moral? Não podemos simplesmente ficar contentes umas pelas outras sem necessidade destas mesquinhezes maléficas? Sem estas alfinetadas ridículas mas repletas de maldade (ainda que camuflada)?
Foi um dia dificilmente feliz. Eu não sei que mãe serei... não sei se estarei à altura de todos os desafios que estão à minha/nossa espera mas há uma coisa que não farei... proibir alguém de comemorar este dia.
Eu escolhi o direito de trazer no coração todas as mães que não tendo os seus bebes consigo... um dia viveram esse momento mesmo que por segundos, horas ou dias. Porque embora hoje eu carregue os meus pequeninos dentro de mim foram muitos os anos em que tive de viver com o preconceito de não os ter.
Assim foi o meu primeiro dia da mãe...
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