15 de Setembro
Estava marcado para hoje o encontro com a Psicóloga Ana Oliveira da Ava Clinic. Dia de apagar todas as luzes
de dúvidas da arvore de natal que se criara nas nossas cabeças.
A verdade é que não estávamos preparados para o que estava à nossa
espera. Se na nossa cabeça existiam muitas perguntas sem respostas a verdade é
que saímos de lá com um número ainda maior de respostas sem perguntas e de
perguntas sem respostas. Pior, é que teríamos de ser nós a encontrar essas
peças de puzzle para que tudo fizesse sentido.
Conversámos tanto!! Ouvimos ainda mais!! Apagámos duvidas, fomos
confrontados com tantas outras. Falámos de coração aberto e recebemos muito… a
Dra. Ana foi mais uma bênção que alguém nos colocou no caminho. Não, ela não
nos deu as soluções mas guiou-nos na direção do que o nosso coração já nos
dizia. Chegámos lá com um novelo de pensamentos em que não conseguíamos encontrar
nem o fim nem o inicio e saímos de lá com uma meada… tudo organizado e à espera
de uma decisão da nossa parte. Mais uma pessoa de luz num caminho que tinha
zonas muito escuras.
Começámos por abordar o tema da adoção e em que eu coloquei em cima da
mesa tudo o que me atormentava: o egoísmo de não ter aceite esta como uma opção
realista e imediata para nós, não por medo de não amar essa criança mas sim com
medo da perda, de um dia chegar aquele momento em que legitimamente ele teria a
curiosidade de procurar a sua família de sangue; o medo de não estar à altura
desse momento, o medo de falhar… e é tão bom quando do outro lado há alguém que
nos diz que esta é a uma reação natural e que se fosse este o caminho este sentimento
iria sendo atenuado e finalmente iriamos conseguir viver com ele sem grandes
dramas.
Mas e se optássemos pela doação de óvulos de uma dadora viva? Era
importante para nós a herança genética? Era importante que eu, como mãe (porque
é assim que a lei designa a mulher que recebe óvulos de uma dadora, mãe com
plenos direitos), conseguiria viver com o facto do meu filho não ter a minha
carga genética? (jamais tinha pensado nisso) era isso impeditivo para mim? E caso
avançássemos para esta solução a quem iriamos contar? Aos meus pais? Aos meus
sogros? E se nos divorciássemos entretanto e essas pessoas fossem maldosas e usassem
isso contra mim? Acho que não tenho palavras para vos descrever o que foi
digerir a informação que nos era debitada de forma doce pela nossa querida psicóloga.
Olhávamos um para o outro sem saber o que era o correto e apenas verbalizávamos
as enormes duvidas que se iam formando no momento. Mas as questões continuavam:
contaríamos aos médicos dos nossos filhos? Sim? Não? E se não o fizéssemos e um
dia eles nos mandassem fazer um teste de ADN por causa de uma doença cronica,
por exemplo, iriamos lembrar-nos que o meu teste não era válido (apesar de existirem
estudos que dizem que o ovulo de uma dadora acaba por adquirir algumas características
da mãe/recetora) e que teríamos de contactar a clinica, que por sua vez
entraria em contacto com a recetora e ela sim teria de facultar todas as informações
necessárias, garantindo assim que não existiria qualquer contacto connosco. E
no caso de não contarmos ao nosso filho e se ele um dia se apaixonasse,
decidisse casar e ter filhos e por acaso (porque por muito ínfima que fosse essa hipótese
ela era possível) essa pessoa fosse sua meia irmã?
Rapidamente olhámos um para o outro e respondemos: contamos claro. E
quando? Perguntava a Dra. Ana. Aos 3? Aos 6? Aos 11? Quando atingisse a
maioridade? Quando esse momento do anuncio do namoro chegasse? Nesta fase
sentia a minha cabeça a rebentar de dúvidas e só me apetecia chorar e gritar
NÃO SEI NÃO SEI NÃO SEI… não sabia
mesmo. Não sabíamos. Não estávamos preparados para tantas perguntas, para pensar
tão para a frente. Não estávamos mesmo preparados para esta antevisão do futuro… E mais uma vez a Dra. Ana com a sua voz doce
e calma nos disse que tudo o que estávamos a viver era normal, que a idade
ideal (neste momento) seria a fase em que as crianças começam a ter noção do
seu espaço de privacidade, em que sabem o significado do que é um segredo e
essa idade será mais ou menos pelos 10/11 anos (antes da adolescência).
Mas as questões não se ficaram por aqui… se optássemos pela doação de óvulos
uma das coisas que mais me incomodava era Porquê? O que leva uma mulher saudável
a doar óvulos a um casal que procura esse sonho? Acho que acabamos todos por
pensar que essas pessoas serão altamente altruístas e de uma bondade inesgotável,
porem a realidade que a Dra. Ana nos explicou é bem diferente. Uma dadora de óvulos
fá-lo com a mesma normalidade de uma dadora de sangue ou de medula. São
mulheres que rondam os 22/30 anos, saudáveis, que têm Planos para os quais não têm
viabilidade económica e que veem aqui uma forma de o conseguir. Fazem-no na
maioria das vezes por questões financeiras (ainda que para nós possíveis recetores
esse valor fosse demasiado baixo perante a alegria que elas nos poderiam proporcionar).
Na verdade segundo a Dra. são poucas as que se interessam sobre o que acontece
aos próprios óvulos, não havendo qualquer ligação afetiva. Ou no limite apenas
perguntam se a mãe os recebeu e eles vingaram.
As nossas cabeças pareciam uma daquelas cadeias de fabricas em que uma
garrafa havia caído e estava a provocar um congestionamento em toda a produção…
a informação entrava e não conseguia ser processada. Eu lia isso nos olhos do
João e as lagrimas que escorriam pelos meus eram só mais um sinal do quanto me
sentia perdida.
Nós “SÓ” queríamos um bebe gerado do fruto do nosso amor e não
resultado de um desejo de uma mulher que quer fazer o Erasmus e não tem
dinheiro para o fazer e por essa razão recorreria à doação de óvulos. Mas e se
fosse esse o nosso caminho? E se…
(continua)
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