O ultimo dia... O mais esperado, o mais desejado, o mais imaginado e sonhado. Aquele que faria com que tudo fizesse sentido.
Sempre que imaginava o momento da chegada as lagrimas corriam-me pelo rosto pois sempre senti que seria avassalador. Mas foi mais... muito mais.
A manha chegou depois de mais uma noite mal dormida, mais uma noite onde o receio de não conseguir colocar os pés dentro dos ténis era a pior das realidades. As bolhas essas não me deram tréguas e mesmo cosidas e recosidas lá insistiam em encher vezes sem conta, mas o sacrifício que me era imposto era muito pequenino face a outras realidades.
27 quilómetros era o que estava à nossa espera, juntamente com a travessia de duas serras, em compensação a promessa de que este seria um caminho bonito de se fazer. Estrada fora lá fomos nós, mais conversas cruzadas, historias e momentos partilhados, mais confissões, mais medos que se vão sussurrando a cada quilometro percorrido. Primeira paragem para um café, segunda paragem nos bombeiros para furar bolhas e renovar energias.
Medo! Pela primeira vez o medo estava a tomar conta de mim... não o medo de não chegar pois isso iria acontecer mesmo que fosse de gatas, mas o medo de atrasar os planos de todos os que tão bem nos acolheram, medo que os abraços dos seus entes queridos fosse adiado por minha causa.
O caminho que até aqui era de asfalto passou a terra batida com pedras e pedrinhas. Mais bonito diziam (e com toda a razão) mas para mim tortuoso. Andei literalmente a saltar de pedrinha em pedrinha, ou mais concretamente a evitá-las, de forma a que os meus pés não se ressentissem. Sempre a subir e a escolher o caminho centímetro a centímetro.
O medo era cada vez mais visível e a minha impaciência também. Rezei. Voltei a rezar, enganava-me voltava a começar. Todos os que tao bem nos receberam não mereciam que eu fosse a causa de um tão grande atraso mas a serra parecia nunca mais terminar.
Uns de nós dominados pelo desespero entraram em modo seta e seguiram mais à frente, perderam-se... que é o mesmo que dizer que seguiram por um caminho mais longo. Quis Deus que esses quilómetros extras me fossem poupados.
A dada altura sentia que me tinha convertido numa criança que mal entra no carro e pergunta de forma ingénua "Falta muito? Estamos quase a chegar?". A ausência de referencias, o facto de não ver nada que conseguisse identificar estava a dar comigo em doida. O caminho era lindo, hoje consigo vê-lo e reconhece-lo, mas o meu egoísmo de chegar (assumo-o) não me deixou usufruir dele na sua plenitude.
A dada altura toda eu era desespero e exaustão, de vir a escolher o caminho de forma criteriosa, os meus músculos começaram a ficar presos e a doer-me (até aqui não tinha dores musculares e se dependesse apenas disso faria os 3 dias de caminhadas sem qualquer problema). Já não tinha forma de me sentir confortável. "Quantos quilómetros faltam?" ousei perguntar, responderam-me 3 kms, e nesse momento sem que nada nem ninguém esperasse comecei a simular um passo de corrida. Um andar estranho que não era corrida, não era caminhada, não era nada mais nada menos do que uma força que me empurrava para a meta.
Eu não podia adiar mais o encontro das pessoas que me acompanhavam com os seus familiares. Eles que estiveram sempre disponíveis para nós, que foram a nossa força quando ela teimava em desaparecer, que nos alimentavam quando viam que o nossos corpo estava com necessidades, que sempre tiveram aquela palavra de incentivo, não podia ser por minha causa que esse momento ia ser atrasado. E corri. Toquei na placa que diz "Fátima" sozinha. Eu não escolhi que fosse assim apenas o senti e fui. O facto do caminho ser a descer ajudou e muito a esta corrida... olhei para trás e vejo o joao (que pobrezinho estava aflito dos dois pés) correr na minha direcção, com ele a M. e a C. (dois anjos de luz nesta caminhada) e abrandei (é quase irónico dizer que abrandei quando não tinha feito outra coisa que não abrandar o grupo desde que me fizera à estrada). Ao fundo, bem no fundo da descida a imagem que eu tanto desejara desde o inicio: o crucifixo de aço, a basílica nova e uma parte do nosso grupo, ali ao meu alcance, ao nosso alcance. Todos se uniram a saudar-nos. Memoráveis aquelas palavras, aqueles sorrisos... Ainda conseguia ouvir, ao fundo ,alguém gritar "ela está a correr! Ela esteve a enganar-nos a todos" e risos... recordo os sorrisos.
Aquela chegada, aquele momento, todos os abraços trocados são fragmentos de historia que não quero esquecer. Abracei-me a ele, ao meu mais do que tudo e chorei de forma completamente descompensada. Conseguimos! Juntos, com todas as mazelas, mas plenos. Já não tinha mais para dar. Esgotara todas as minhas energias naqueles 3 quilómetros. Agora era tempo de assistir aos outros abraços, às reuniões familiares bonitas que aquele grupo guardara para aquele momento.
Tenis descalçados (só os voltaria a calçar 5 dias depois) e percorri todo o santuário de meias nos pés mas de coração pleno. Uma oração de grupo e depois ousei fazer um agradecimento mas a emoção não me deixou dizer tudo o que queria (irei fazê-lo no final deste testemunho). Fomos almoçar todos em família. E que bonito foi. Tão bonito! Crianças, adolescentes que na sua impaciência natural da idade estavam ali à nossa espera, irmãos, maridos, pais... a receção perfeita para 3 dias perfeitos (com as suas pequenas imperfeições).
Para terminar a ida à capelinha das aparições. O encontro mais aguardado de todos. O reencontro com a mãe de todas as mães para lhe agradecer. Muitos pensarão que esta minha peregrinação foi para pedir. Enganem-se! O primeiro instinto, o primeiro pensamento que me moveu a enviar uma mensagem à A para me juntar a este grupo, foi o de agradecimento. Foram 3 dias a agradecer da melhor forma que encontrei, sem filtros, sem escolha de palavras, sem julgamentos. Velas acesas, coração a transbordar e fé renovada. Entreguei a Deus e a Nossa Senhora os meus medos, os meus receios e o meu desejo mais profundo... eu... eu vim com a minha fé renovada e a certeza de que faria esta peregrinação de novo. Sem promessas.
Agora que passaram 7 dias após a nossa chegada a Fátima estas são as palavras que gostaria de deixar ao grupo que nos acolheu:
No livro da Peregrinação que a R. nos ofereceu no momento da partida, na ultima pagina está escrita a definição de peregrino/peregrinação/peregrinar "O peregrino é aquele que, num determinado momento da vida, tempo de procura, de inquietação, de desejo e atração, se põe a caminho em busca de uma nova verdade de si mesmo. A peregrinação envolve a pessoa toda, o passado, o presente e o futuro, a racionalidade, os sentimentos e a busca da beleza. Supõe uma atitude humilde e confiante, de quem volta a acreditar na vida, porque a procura numa nova síntese. É uma atitude desprendida, que supõe austeridade e mesmo penitencia. Peregrinar é aceitar contentar-se, durante um tempo, com o estritamente necessário. O peregrino é atraído por uma força interior e conduzido por uma luz superior. A peregrinação gera harmonia da tranquilidade e da paz (...)". Em vários momentos dos três dias eu revi-me nestas palavras e não porque cheguei lá sozinha. De todo. Se hoje nos sentimos peregrinos é porque vocês nos converteram nisso mesmo Cada quilometro conquistado ao caminho a que nos propusemos foi feito com a vossa ajuda. Vocês foram sempre, de formas e em momentos diferentes, a força que nos faltou, a energia que nos fugia. Não escolhemos nenhum para nos acompanhar neste caminho mas não teríamos feito uma escolha diferente. A mãe de todas as mães colocou-vos no nosso caminho porque eram vocês as pessoas certas para nos fazer superar e por isso somos imensamente gratos. Obrigada por terem ignorado as nossas limitações físicas e as terem convertido em mais uma meta conseguida. Obrigada pelas gargalhadas, pelos sorrisos, pelos terços, pelas orações, pelas partilhas, pelas lagrimas, pelos curativos que permitiram que fosse real a nossa chegada, pelos silêncios partilhados, por nos terem recebido como se fossemos um dos vossos, por aceitarem a nossa ingenuidade e má preparação para o desafio a que nos estávamos a propor. OBRIGADA! Obrigada de coração pelas recordações que tentaremos perpetuar nas nossas memorias. A gratidão que sentimos por todos é incomensurável.
A ti minha (nossa, porque és de tantos que te adoram) A, ORRIGADA. Obrigada por seres o elo que nos uniu a estas pessoas maravilhosas. Obrigada por nos acolheres sempre, desde o primeiro segundo, com um sorriso e um abraço que não tem preço. Por teres um coração maior do que o teu corpo que encontra sempre lugar para acolher mais um e mais um. Por entenderes perfeitamente o que nosso coração carregou ao longo de tantos quilómetros. PERDOA-ME se tornámos este teu caminho mais difícil este ano mas se por algum motivo achei que conseguiria em parte devo-to a ti. Sempre foste um poço de energia e de motivação que me contagia mesmo quando acho que não sou capaz. És um ser de luz que a Nossa Senhora colocou no nosso caminho (Sr. A e descendentes também) que gostaríamos de merecer ter sempre nas nossas vidas.
As ultimas palavras só podiam ser para a minha metade. Para ti que basta eu dizer "gostava de ir" e a quem respondes "vamos" sem hesitar. A ti meu amor que fazes com que tudo seja possível. Que ao longo deste tempo divides as tristezas e multiplicas as alegrias. Que me fazes sorrir quando sabes que choro por dentro. A ti que acreditas em mim mais do que alguma vez eu fiz. A ti devo tudo e por ti faço tudo. OBRIGADA por me aceitares como tua companheira de viagem.
E a ti Senhora... mãe de todas as mães por seres a fonte inesgotável de fé e força, que me recebes e me afagas os medos, que me calas o desespero e me enches de luz, a ti Maria a divida eterna.

